2007/07/01

Timor(2) : BTT em Dili

Esta não é uma crónica sobre um raid com 100kms de BTT duríssimos, 3000mts de ascensão acumulada, ciclistas vestidos a rigor com muitas licras coloridas, bicicletas de milhares de euros e uma partida animada pela melodia dos pedais de encaixe. É apenas a crónica simples de um encontro de pessoas, de diferentes nacionalidades, que se juntaram para andar de bicicleta. Para pedalar ao longo de uma cidade que desde há um ano vive tempos muito difíceis, com violência diária, violência essa que obrigou ao desembarque de tropas e forças de segurança estrangeiras, incluindo portuguesas. Uma cidade, capital do país mais jovem e também dos mais pobres do mundo que carrega uma história repleta de ocupações estrangeiras mais ou menos violentas.

Este ano, tal como já tinha feito em 2005, vim leccionar na Universidade Nacional de Timor Leste, no âmbito do programa de cooperação estabelecido entre os governos português e timorense. De entre a bagagem que queria/precisava de trazer, para além dos materiais didácticos, roupas e demais artigos pessoais, havia um item que me preocupava de sobremaneira, a minha bicicleta. Após algumas diligências com diversas empresas de transportes, constatei que um plano de voo que incluía cinco aeroportos, três companhias aéreas, uma noite de paragem obrigatória em Bali, associado a tarifas muito altas e/ou indeterminadas, tornavam quase impraticável a ideia de trazer a bicicleta para Timor. Por isso, pouco tempo depois de aterrar tratei de comprar uma. Decidi-me por um modelo verdadeiramente luxuoso, foram 135 dólares de pura extravagância.
Prontamente comecei a relembrar os caminhos de Dili, embora agora com algumas restrições, pois alguns amigos timorenses sempre me foram prevenindo que "as pedras atiradas não têm olhos".
Dili, a capital de Timor Leste, é uma cidade quase chã. No centro existem alguns edifícios de estilo colonial, de uma história já longínqua. Ao longo da marginal, a partir do emblemático Palácio do Governo, para oeste, estão instalados os edifícios e casas-fortes das embaixadas. Na direcção contrária, até ao monte encimado pela estátua do Cristo Rei (oferta do governo Indonésio), estão os restaurantes e bares. Em redor do centro e da cintura imponente formada pelos montes, situam se os bairros que infelizmente são notícia frequente pelas piores razões e nos quais vive a maior parte da população.
Num dos passeios, ao fim do dia, ao longo da marginal encontrei um grupo de elementos da GNR que pedalava. Palavra puxa palavra e o encontro de BTT a partir de Dili estava assente. Faltava o mais simples, fazer os reconhecimentos para definir o percurso, tratar das questões logísticas e anunciar o encontro.

Para poder ser o mais abrangente possível foi decidido um percurso plano e pouco extenso. De facto, uma circuito em torno da cidade mas com passagem por diferentes tipos de terreno e zonas, nas quais seria possível ver a cidade numa perspectiva diferente. A divulgação foi assegurada através da afixação de cartazes e com um anúncio na RDP.

De entre as três dezenas de participantes que comparecem, a variedade foi nota de destaque: professores de diversos graus de ensino, alunos timorenses, mecânicos de helicópteros australianos, pessoal da Lusa/RTP/RDP, bem como elementos da GNR que, para além de participarem, deram uma ajuda preciosa no apoio logístico, fornecendo uma viatura de apoio com água e alimentos.

O percurso iniciou-se em frente ao Palácio do Governo, seguiu pela marginal, atravessando a zona das embaixadas, bairro dos pescadores, e o leito temporariamente seco da ribeira de Comoro, em direcção ao aeroporto Presidente Nicolau Lobato, na zona de Comoro.

Durante este percurso, a certa altura fomos ultrapassados por dois carros de combate australianos, uma ocorrência simbólica dos tempos que se vivem nesta cidade. Curiosamente, passada meia hora circulávamos por uma estrada na zona interior do aeroporto, sem qualquer restrição.

Posteriormente, entramos na zona de Taci-Tolo (literalmente "os três lagos" em tétum) e pedalamos nas margens dos seus lagos, num terreno argiloso estilhaçado pelo calor.

Entretanto, o calor tropical e o cansaço já se faziam sentir entre alguns ciclistas, provocando as primeiras desistências. Após a passagem por Taci-Tolo foi iniciado o percurso de volta pela borda dos montes através de estradões que atravessam uma zona mais periférica da cidade. Embora estivéssemos dentro de Dili, a vegetação, as casas e especialmente o comportamento dos timorenses lembravam-nos as zonas mais rurais de Timor, nas quais a passagem de estrangeiros, mesmo que não se trate de um grupo numeroso em bicicleta, causa o espanto generalizado dos locais e muito particularmente das crianças que aplaudiram a caravana com correrias, risos e a saudação omnipresente "malai, malai" (estrangeiro).

Depois da segunda passagem na ribeira de Comoro, atravessamos os bairros de Pité e Vila Verde, amiúde citados pela impressa devido à violência frequente do último ano.

Devido aos inúmeros furos que quase todos os participantes experimentaram o percurso previsto de 40kms foi ligeiramente encurtado. Deste encontro, destaco a participação corajosa de alguns ciclistas que mostraram que não existe limite de idade para andar de bicicleta, o apoio fornecido pela GNR e a possibilidade de juntar australianos, portugueses, espanhóis e timorenses, que ultrapassando quaisquer barreiras culturais, políticas e linguísticas, fizeram em conjunto algo universal e que me enche de prazer, andar de bicicleta.


2 comentários:

Anónimo disse...

Genial barak!
Tua fã, Isacat
(ps: e não havia foto do taca-roda?)

Unknown disse...

olá!as imagens são lindissimas,um beijo para voçês.